
Aos 8 anos fui a Cuba,
pois outras pessoas disseram à minha mãe que lá havia um Centro de Reabilitação
Intensivo, conhecido por ser muito bom, onde haveria tratamento todos os dias e
que para mim seria uma mais valia.
Na viagem para Cuba, só fui
eu, a minha mãe e o meu pai. Chegamos à Clínica Ciren, de táxi, à meia-noite. Entramos
para a clínica e as enfermeiras receberam-nos bem. Quando nos abriram o quarto,
nós ficamos em choque! Tudo velho e a a cair, o lavatório da casa-de-banho
partido, as cortinas rotas, a sanita toda velha, as camas velhas… só havia dois
móveis velhos (um com um televisão e outro no meio das duas camas), um
frigorifico pequenino e velho, um cadeirão velho e um cadeirão velho.
O meu pai queria que nos viéssemos
embora para a casa do taxista. A minha mãe, chocada, disse que
não, pois se já tínhamos ido até Cuba, era para ir até ao fim. Então, juntámos
as camas e dissemos ao meu pai para ir embora para a casa do taxista e de manhã
(já eram duas ou três da manhã) ir comprar lixívia e detergentes, para
desinfectar tudo.
Antes de nos deitarmos (eu
e a minha mãe), a enfermeira veio ao quatro perguntar se estava tudo bem. A
minha mãe respondeu que o quarto estava todo velho e como ir ser a nossa rotina
de manhã.
A enfermeira explicou -nos
que, de manhã, seria para tirar análises, falar com a equipa e conhecer o lugar
onde se iria fazer a reabilitação.
E foi assim! Tirei sangue,
conhecemos os médicos e alguns fisioterapeutas que fizeram perguntas a meu respeito.
À tarde, conhecemos o lugar onde eu iria fazer a fisioterapia, a terapia
ocupacional, a terapia de fala e a sala de leizer.
No segundo dia na clínica, às sete horas da manhã estava a enfermeira a bater
à porta do quarto para me dar um comprimido. Eu e a minha mãe ficamos
estupefactas, perguntando-nos a razão pela qual eu teria de tomar aquele
comprimido. A enfermeira não sabia explicar, mas disse que tinham sido ordens
médicas. A minha mãe não deixou que eu o tomasse e disse que queria falar com um
dos três médicos, só que o estava de serviço entrava às oito e trinta.
Às oito horas veio uma fisioterapeuta buscar-me e fomos para uma sala
pequena, onde tinha mais duas crianças e dois fisioterapeutas. Estiveram a
observar-me e a falar entre eles, só que falavam tão rápido e em castelhano,
que eu não entendia nada. De seguida, levaram-me para o corredor para eu
caminhar sozinha, mas desequilibrava-me muitas vezes. As fisioterapeutas, ao
passar por mim, cumprimentavam-me e desejavam boas vindas. Neste instante, a fisioterapeuta
que me acompanhava mandou-me entrar noutra sala grande com colchões e
fisioterapeutas. Veio ter connosco um senhora já com uns 50 anos,
cumprimentou-me e disse que a partir daquele momento passaria a ser a minha
fisioterapeuta até ao fim na reabilitação.
Apresentou-me a equipa e os fisioterapeutas que trabalhavam naquela sala,
e até já sabiam o meu nome através na primeira fisioterapeuta, mas queriam
saber se onde eu vinha, de que país. Eu não percebia nada do que me
perguntaram, até que repetiram tudo pausadamente e eu respondi que era
portuguesa. Eles não entenderam o que eu dissera até que eu falei: “Portugal”.
Ai já perceberam e disseram que também estava lá uma rapariga portuguesa.
Eu fiz algumas questões, mas a fisioterapeuta e os restantes não
perceberam e, entre eles, comentaram que iria se muito difícil de me
compreender.
Neste instante, a minha fisioterapeuta mandou-me deitar num colchão,
tirou-me o calçado, começou a levantar-me as pernas, a rodar-me a anca, a
mexer-me nos braços, a examina-me toda. Eu estava espantada e cheia de medo. Os
fisioterapeutas repararam e disseram uns para os outros:
-“A rapariga está cheia de medo,
vamos colocar uma música para descontrair.”
Ao mesmo tempo que estava a decorrer a música, todos cantavam, dançavam e
riam em simultâneo que faziam fisioterapia aos seus respetivos pacientes. Eu
fiquei espantadíssima e a minha fisioterapeuta disse-me que todos os dias era assim,
e eu lá dei um sorriso com um pouco de medo à mistura…
No fim de me fazer um exame geral e de fazer um pouco de fisioterapia, a
fisioterapeuta colocou-me de pé, descalça, mas eu não conseguia equilibrar-me
por muito tempo e assustava-me muito (ainda hoje em assusto facilmente, devido
a ter uma audição mais sensível do que o normal, ouço com mais intensidade), calçou-me
e ai eu já tinha mais equilíbrio, tocava-me com os seus dedos contra os meus
ombros, inicialmente devagar e conseguia equilibrar-me, aumentando a pressão
até ver aonde eu me equilibrava sozinha, chegando a um momento em que eu
balouçava muito e não conseguia ter equilíbrio, tinha que ser ela (a fisioterapeuta)
a apoiar-me para não cair. Pediu-me para andar um pouco, mas eu desequilibrava-me
muito.
Estava quase na hora de almoço. Levou-me ao meu quarto, onde se encontrava a
minha mãe e explicou-lhe tudo o que se passara.
A minha mãe já tinha falado com um dos médicos sobre o comprimido que iram dar-me de manhã cedo. Este explicou que era para as minhas tremuras diminuírem ou acabarem, pois desse modo trabalhariam melhor comigo, mas não disse os contras do medicamento, que só foram descobridas passado duas a três semanas pela minha mãe. Se me fizessem perguntas sobre alguma matéria básica que já tivesse estudado, eu não me lembrava de nada... A minha mãe foi ter com as enfermeiras e um dos médicos e perguntou, se o medicamento que estava a tomar afetava a memoria. Disseram-lhe que sim mas que, se um dia deixasse de tomá-lo voltaria tudo ao normal. No entanto, queriam que eu o tomasse toda a vida, pois ajudar-me-ia a ser mais determinada e exata a pegar nas coisas. A minha mãe não queria, pois afetava a memória, gostaria sim que fizessem o trabalho de reabilitação sem ter de tomar nada para os ajudar, mas os médicos não aceitaram e tinha que ser assim, ou não aceitavam fazer-me a reabilitação.
A minha mãe já tinha falado com um dos médicos sobre o comprimido que iram dar-me de manhã cedo. Este explicou que era para as minhas tremuras diminuírem ou acabarem, pois desse modo trabalhariam melhor comigo, mas não disse os contras do medicamento, que só foram descobridas passado duas a três semanas pela minha mãe. Se me fizessem perguntas sobre alguma matéria básica que já tivesse estudado, eu não me lembrava de nada... A minha mãe foi ter com as enfermeiras e um dos médicos e perguntou, se o medicamento que estava a tomar afetava a memoria. Disseram-lhe que sim mas que, se um dia deixasse de tomá-lo voltaria tudo ao normal. No entanto, queriam que eu o tomasse toda a vida, pois ajudar-me-ia a ser mais determinada e exata a pegar nas coisas. A minha mãe não queria, pois afetava a memória, gostaria sim que fizessem o trabalho de reabilitação sem ter de tomar nada para os ajudar, mas os médicos não aceitaram e tinha que ser assim, ou não aceitavam fazer-me a reabilitação.
Estava na hora do almoço. Quando vimos a comida e a provamos... que
horror! A sopa era água com batata e cenoura, o prato da refeição era arroz a
saber a goma e bife de vaca duro, ou massa a saber a farinha, e não havia fruta.
Passado três ou quarto dias, a comida continuava a ser a mesma e a minha
mãe perguntou à funcionária do refeitório se era sempre assim, aquela comida
horrível... Respondeu que sim e a minha mãe exigiu falar com os três médicos, dizendo-lhes
que a alimentação era um nojo e não era comida para crianças em crescimento e a
fazer muito exercício físico. Disseram que nunca ninguém se tinha queixado
disso e que iriam ver o que podiam fazer.
Passaram-se dias e a comida continuava a mesma coisa. Então, a minha mãe
pediu para falar outra vez com os médicos. Eles vieram à sala de refeições e
ela mostrou-lhes a comida e perguntou-lhes se eles comiam aquilo. Eles disseram
que não comiam aquilo e que não havia nada a fazer. A minha mãe disse-lhes que
eu não comia nada e estava a perder peso.
Isto repetiu milhares de vezes, a minha mãe exigia que alterassem o modo
alimentar, mas eles diziam que era impossível e que a portuguesa é muito
esquisita.
Relativamente à minha rotina diária na clínica, às onze e quarenta e
cinco chegava da fisioterapia para às doze horas almoçar. A seguir, dormia até
às duas horas da tarde. De seguida, ia para a terapia ocupacional, durante uma
hora e depois para a terapia da fala e uma hora depois fazia fisioterapia até às
cinco horas da tarde.
Uma vez por semana ia
fazer tratamento a lazer com a minha fisioterapeuta.
Quando estava bom tempo, íamos
para um jardim grande andar ao ar livre, que era comum a várias clinicas. O
jardim tinha passeios, relva, árvores, flores, um lago de patos, entre outras
coisas. Era tão bonito! Sentia uma grande paz de espírito quando passeava pelo
jardim...
De seguida, tomava banho, comia e depois ia para o meu quarto.
A minha mãe comprava-me
Nestum, leite, pães e boiões de fruta para eu comer ao fim da refeição, no caso
de ter fome. Também comprava ketchup para deitar na comida da clínica: era uma
garfada de comida e regava-a com o ketchup, para disfarçar o sabor horrível de
cada refeição!
Havia uma senhora (onde o
meu pai ficou a primeira semana hospedado), que me fazia sopa para eu comer e
que parecia a sopa da minha avó.
Duas ou três vezes por
semana, ao fim do almoço, falávamos com a nossa família.
Às vezes, quando estava a dormir a sesta e o
telefone tocava, eu ficava radiante por falar com o meu pai, com a minha avó, com
a minha tia, entre outros familiares... No fim de cada telefonema desatava a chorar de
saudades... a minha fisioterapeuta ao assistir a isso, tentava-me acalmar. Foi
muito difícil estar dois messes longe de quem mais amamos.
Passado algum tempo,
estando todos os dias e varias horas por dia com a minha fisioterapeuta,
passamos a ter uma relação muito forte e passei a chamá-la de avó e ela por
neta ou filha.
Aos sábados de manhã tinha
fisioterapia, até às doze horas da tarde. No fim do almoço, íamos para o quarto
brincar, com brinquedos inventados por mim e pela minha mãe, com copos de
plástico, dos iogurtes, e uma bola, que nos ofereceram.
Naquela clinica não havia brinquedos ou algum
entretimento para nós passarmos o tempo livre ao fim de semana. As crianças
eram metidas na cama e no sofá a ver televisão, e só isso. Não saiam da clínica
por não terem possibilidades financeiras. A clinica não tinha animação nem
passeios organizados para os pacientes e seus acompanhantes.
Os domingos saíamos de táxi,
que ficou nosso amigo, e levava-nos para todo o lado: às praias turísticas, aos
monumentos, às ruas importantes, entre outras coisas bonitas que a cidade
possuía. Íamos só para as praias turísticas, pois as publicas eram perigosas,
derivado a haver muita gente e assaltos. Na praia a comida era deliciosa e tirávamos
a barriga de misérias... Muitas vezes passávamos a tarde na praia.
Nestas visitas nunca íamos
sozinhas. Na clinica, conhecemos um menino e a mãe, de nacionalidade Venezuelana.
Eles iam sempre connosco para se divertirem. Esse menino, mais velho do que eu,
tinha uma doença rara, pois não andava, não falava e era muito espastico. A mãe
dele tinha possibilidades financeiras para saírem connosco e comprar tudo o que
ele precisasse.
A maior parte das famílias
(filhos e mães) que estavam naquela clinica, eram por intermédio do governo do
seu país. Por exemplo, a Venezuela fornecia petróleo a Cuba, e esta em troca,
acolhiam e faziam reabilitação a crianças com problemas motores e doenças
raras.
Quando chegou o dia para
vir embora da clinica, fizeram-me uma grande surpresa. Passamos (eu e a minha
mãe) a noite inteira com um enfermeira, numa sala, a fazerem-me tranças
pequeninas pelo cabelo todo. Não pregamos olho toda a noite. Estávamos tristes
por vir embora para Portugal, pois nunca mais iríamos nos e, ao mesmo tempo
contentes, porque faltava pouco para estarmos novamente com a nossa família. Ao
nos despedirmos, eu e a minha mãe choramos imenso, pois foram dois messes
intensivos com aquelas pessoas: carinhosas, amorosas, humildes, entre outras
coisas boas. O povo cubano é simpático, humilde e amigo.
Quando me despedi da minha
fisioterapeuta choramos as duas, baba e ranho, pois passámos setes a oito horas
diárias juntas, durante dois meses. Era e será uma amiga para sempre e ficará
para sempre no meu coração... Como naquela altura não havia telemóveis nem
internet para trazemos os seus respetivos contactos, o que é pena, só trouxemos
fotografias e dedicatórias.
Toda a equipa da clínica
ficou no meu coração e agradeço-lhes imenso por tudo o que fizeram por
mim.
Esta experiência foi muito
enriquecedora para mim a vários aspetos e melhorou quantitivamente a combater o
meu problema: a marcha, a fala, e a fazer pequena coisas no dia-a-dia que, para
mim, era impossível de as fazer anteriormente.
Um Muito Obrigada!

1 comentário:
Rita eu nunca fui a Cuba mas havia uma explicação para toda a pobreza mesmo na Clínica. Os cubanos ganhavam muito poucochinho e o que havia era na sua maioria o que os americanos ricos deixaram ficar. Houve um embargo dos USA a Cuba e eles viviam com muitas limitações. Além disso o regime era severo. Investia no ensino e na formação académica e quem não estudasse ia trabalhar duro no campo.
Por isso há lá dos melhores médicos e fisioterapeutas que dão amor mesmo não tendo condições.
Beijinhos
Zita
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